quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Carros elétricos, visões a lenha

Ouvi recentemente em rádio de notícias sobre estudos que “mostram” que carros elétricos ao final podem produzir mais gases de efeito estufa e poluição que a atual matriz de transporte propulsionada por combustíveis fósseis.

Tal afirmação é desprovida quando bem analisada de uma visão mais ampla do processo de evolução da matriz energética e como ela está se direcionando - e tem necessariamente de ser direcionada - inclui algumas falácias e me atrevo a dizer que é no fundo desonesta.

A argumentação é de que o abastecimento de carros elétricos em diversas nações necessitará de incremento na matriz de geração de energia elétrica, a qual é boa parte abastecida por combustíveis fósseis.



Vamos “descascar” estas afirmações camada por camada.

1) A grosso modo, quando você troca seu carro à combustível fóssil por um carro elétrico você desloca a geração de energia “bruta” do seu motor e tanque de combustível para uma usina ou sistema de geração de algum tipo que fica, digamos, na região rural de sua cidade, ou tão distante quanto São Paulo e o rio Paraná, ou ainda mais a Amazônia.

Primeiro que a afirmação acima é a grosso modo pois não pode comparar-se a eficiência rodando na cidade de um carro à combustível (ciclos diesel e Otto, gasolina e/ou álcool). Um carro à combustível depende de manter-se funcionando em cada parada, e mesmo com sistemas que desliguem o motor temporariamente, há o reacionar que não é a maravilha dos consumos e inútil do ponto de vista de geração de torque. Os motores elétricos, além de em cada parada simplesmente zerarem seu consumo,  possuem uma maravilhosa relação de potência e torque, e são contínuos em suas “marchas”, econômicos quando em alta velocidade e adequados quando o torque é muito exigido, quando em marchas lentas - note-se o vício de linguagem relacionado a câmbio - recebendo e utilizando exatamente a potência necessária para enfrentar inércia e atrito.

Notemos que não tratarei aqui da substituição por toda a biomassa transformada, como biodiesel, novos combustíveis “verdes” e o óbvio etanol no seus diversos avanços, como o celulósico.

Assim, a afirmação é inadequada como comparar limões e laranjas, ainda que muito relacionados, sejam de acidez diferente e aplicações e resultados com finas diferenças.

2) Seu carro à gasolina é poluente, ponto. Seu ônibus à óleo diesel é ainda mais, mesmo com a eliminação rigorosa de enxofre na refinaria (e o enxofre tem de mais cedo ou mais tarde, aparecer em algum lugar).

Um carro elétrico tem o inconveniente, ainda que controlável, de produzir ozônio, e nisso acaba seu problema local, ou seja, circulando em nossas ruas.

Mas claro que se a energia virá de uma termelétrica a óleo ou carvão, concordo, e mesmo esquecendo os ganhos de eficiência que mostramos acima, e colocando perdas na transmissão, as situações não podem ser comparadas diretamente.

Seu carro pode receber catalisador, seu combustível pode ser rigorosamente tratado, mas de qualquer maneira, a tendência de toda máquina falhar e desgastar-se somará produção de poluição e ineficiência na combustão, e tal será estatisticamente distribuído numa população de veículos.

As instalações de absorção de poluição numa usina pode ser com sistemas redundantes, intensa monitoração e acoplada à “ecologia industrial” que aproveite toda emissão, como algas para o dióxido de carbono, produção dos gases para síntese, e no extremo filtragem aproveitamento até de cinzas do carvão mineral,

Afirmar que uma produção centralizada de energia pode ser comparada com uma distribuída é um grosseiro engano.

As contaminações de solo nas áreas urbanas, apenas para combustíveis líquidos, uá são uma amostra banal da diferença dos problemas envolvidos.

3) Dentro do problema de geração, lembro quando as usinas eólicas, em seu custo considerando os custos ambientais - que causam custos de controle das emissões - tornaram-se mais viáveis que as a priori baratas usinas termelétricas a carvão.

Logo, a substituição da matriz de geração, que corre por caminho externo aos problemas urbanos diretos, tem de ser considerada.

Mesmo numa matriz de economia de carbono, que inclui certos problemas da biomassa, entra a centralização de usinas dos mais variados tipos, o biocarvão e sua poderosa capacidade de absorver o carbono atmosférico, a cogeração que vai desde a produção de derivados de enxofre, o próprio processamento do petróleo e outros para fins de sínteses químicas, a trivial queima de massas de celulose das fontes de produtos mais nobres, como grãos e açúcar e álcool, etc. A cogeração já seria um campo vasto a ser citado.
Aqui destaco um ponto universal em Economia: não são apenas os custos limitados a uma situação micro que importa, e como bem mostra o equilíbrio de Nash, os melhores resultados se darão quando forem os mais amplos possíveis.

Uma afirmação fundamental que tem de ser entendida: o petróleo (assim como qualquer outro combustível fóssil) não tem de ser substituído por algo, mas pode perfeitamente ser substituído por um conjunto de coisas. Afirmar que tenha de ser substituído por uma coisa miraculosa - como se ele em si não fosse pesadelo suficiente - é uma falácia basal de que o defende contra qualquer coisa.

4) Dentro o que seja o biocarvão, e a absorção do dióxido de carbono produzido por usinas termelétricas poderia ser feita com paralelo de recuperação de regiões florestais, servindo de exemplo nossa Mata Atlântica em regiões esgotadas para a agricultura, e com horizonte de, digamos, terço de século de ciclos com diversas espécies com grande aproveitamento industrial, comercial (a madeira direta) e quimurgia (um mundo de química oriundo de vegetais).

Logo, mesmo o afirmar “termelétrica” não quer dizer coisa alguma se considerar os “túmulos”.

Todo um universo de investimento espera por absorver as portas que se abrem para uma economia, mesmo que ainda relacionada com um ciclo de carbono, que mantenha o sistema fechado, e abandone o remover carbono ilusoriamente barato de seus esconderijos minerais

Por hora, encerro aqui, destacando que a Miopia em Marketing continua afetando gravemente a indústria de petróleo, e as pedras que mantém a Idade da Pedra abastecida terão inexoravelmente que ser abandonadas, por sua inviabilidade geral, tão certo como diversas vezes já aconteceu na história.


Anexos

Alguns textos sobre o tema incluindo esta posição, que demonstrei, apenas em quatro pontos amplos, que é falaciosa:

Opinião: o conto do carro elétrico, 27 JUL 2017 - www.terra.com.br

Venda de carros elétricos pode impulsionar a demanda mundial de energia - Julho 26, 2017 -

Quem diria, certo vilão já percebeu por onde a água deste rio correrá:

Quem diria: a China virou a maior defensora do ambiente - Lucas Amorim, 27 jul 2017 - exame.abril.com.br

Com a palavra, igualmente míope, um dos responsáveis por produzir um dos maiores endividamentos de empresas da história:

Petróleo continuará a ter papel central por muitos anos, diz Gabrielli - jornalggn.com.br

A visão do problema por uma das nações-mãe do problema:

Alemanha: diesel gera incertezas quanto ao futuro - www.noticiasautomotivas.com.br

Uma visão coletiva, em etapa intermediária, que há tempo já mostra um caminho de custos e resultados coletivizados:

Uso de biocombustíveis nos ônibus da Suécia chega 67% - diariodotransporte.com.br

Mais genericamente impossível, minha opinião sobre esta “miopia” específica:

A Miopia em Marketing Ambiental

Introdução ao conceito clássico de Miopia em Marketing - Medio - Questões Ambientais

Parte III - Os perigos permanentes dos combustíveis fósseis - Medio - Questões Ambientais